MEU PRIMEIRO DIA COMO PROFESSORA

barco

Professora do Estado, 1989. Comecei a trabalhar no mesmo dia da Atribuição de aulas. Não contava com isto, mas a escola tinha urgência.

Cheguei com antecedência. A Inspetora de Alunos me levou até a sala dos professores e  pegou o documento que estava em minhas mãos.

Na sala dos professores,  alguns “colegas” conversavam entre si. Sentei-me e aguardei que alguém da Direção viesse falar comigo,  ou que  pelo menos,  um dos professores quisesse saber o meu nome,  mas nada disso aconteceu.

Bateu o sinal. Todos saíram. Fiquei sozinha. Não sabia para onde ir.  Uns dez minutos depois,  entrou a mesma Inspetora de alunos, e disse:

_ Você não irá para a sala? Os alunos estão esperando. Dobradinha, tá? Você fica com a turma até a hora do lanche.

Como resposta ao meu assombro,  ela me olhou desolada, e para o meu  total desespero, completou:

_ As aulas não são de História, e sim de Geografia, mas  é a mesma coisa.

Odeio quando dizem que Geografia e História, trata-se da mesma coisa, mas não estava em condições de discutir, aliás, queria mesmo voltar para casa,  e lá sim, remoer o meu ódio.

Levava uma pilha de livros nos braços, sabendo, que nenhum  deles seria utilizado, mas não nego, ajudaram-me  a manter o equilíbrio do corpo. Aula de Geografia… Jamais imaginei.

A Inspetora atravessou o pátio comigo. Indicou  a sala de longe. Fui sozinha. Hoje tenho a certeza, que ela ficara no meio do caminho,  para zombar da  minha desgraça.

Dei uma breve parada na porta da sala. Pensei em pedir a proteção de Deus, mas  Ele estava pisando na bola desde que cheguei,  portanto,  duvidava,  que pudesse me dar algum socorro. Numa escola sempre tem alguém precisando muito Dele. Certamente  teria que entrar  na fila,  correndo o risco de  ser a última.

Entrei, coloquei a pilha de livros inúteis sobre a mesa,  e me escondi atrás dela. Só reapareci, quando os alunos terminaram de copiar da lousa a lição da aula anterior.

Dobradinha, né?  Vamos lá! Apresentei-me.  Tinha ainda uma hora para morrer devagarinho… Iniciei a  chamada nominal. Num determinado momento, chamei pelo nome Fabiano, e uma voz feminina respondeu. Chamei novamente,  e aconteceu a mesma coisa.  A turma caiu na risada.

Então, uma das alunas (monitora da turma) falou em voz alta:

_ É isso mesmo professora, ele é menino, mas fala como menina. É bicha.

Dei um sorriso amarelo e ele me acenou.  Percebi que não precisava de livro algum naquele momento. Nenhum escritor daquele acervo que carregava daria conta desta pauta. Olhei para o  aluno Fabiano, e perguntei:

_ O que eu faço? Ele respondeu com tristeza:

_Eu sou Fabiana. Eles me chamam assim. Não sei o motivo da risada – A turma gargalhou novamente.  

1989… Não tinha experiência como professora, mas a habilidade humana que há em nós,  desde o nascimento da carreira é muito maior do que imaginamos. Apostei nesta crença.

Recomecei a chamada. Solicitei, que cada um falasse para a turma, como gostaria de ser chamado, e fui anotando  os “apelidos” na frente de cada nome. Quem não tinha pensado a respeito foi motivado pelos colegas.  Alguns preferiram o próprio nome, mas  a maioria optou por apelidos dados pela família. Foi divertido. A própria Fabiana, preferiu ser chamada de Fabi,  aceitando a sugestão dos colegas. Eu também gostei.

Aliviada a tensão, aproximei-os de mim. No primeiro dia entendi,  que a generosidade também precisa ser estimulada, porque,  o que a Fabiana desejava era algo muito simples e possível, sem que nenhuma lei exigisse algo tão óbvio e natural.

Bateu o sinal, lamentamos juntos.  Saí da sala feliz e com  aquela maldita pilha de livros. Ao atravessar o pátio, em frente à cantina, escorreguei e caí.  Esparramada no chão, pensei: “Morri sem conhecer a Diretora”.

O Fato é que não tinha morrido, portanto precisava levantar. A primeira pessoa que me ofereceu ajuda foi a Fabi.  Levou todos os meus livros para a outra sala,  e na despedida,  abraçamo-nos demoradamente.  Único ato fraterno e receptivo que tivera até então. Precisávamos daquele enlaçamento.

Ana Teixeira – Outubro, 2019

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PROFESSOR@S E BARCOS

Quando olho pra vocês,

Vejo inquietações querendo esperanças.

Neste momento…

Tudo  que  sonhamos se  agiganta…

Quando olho pra vocês!

Sei  que vislumbram novos dias.

Neste afã, trocamos tudo,

Saberes, pesares, manias…

Quando  olho pra vocês!

Sei que ensiná-los é  apenas intenção.

Aprendemos juntos, viramos do avesso!

Nada desata o que é  construção!

Quando  olho pra vocês!

Estou cert@ que um dia irão sem escoltas.

Os barcos estarão no mar,

Não encontrarão âncoras nem caminhos de volta.

Ana Teixeira – Outubro, 2017


4 comentários sobre “MEU PRIMEIRO DIA COMO PROFESSORA

  1. Que bonita experiência!
    Parabéns por ter vencido o seu primeiro dia nesta escola! Vc seguiu os anos seguintes na escola?
    Parabéns para Fabi tb! Não deve ser fácil, infelizmente.
    Eu dava aulas, mtos anos atrás, e sofri o mesmo no meu primeiro dia. Fui enviada p a sala de um ano q não esperava. Tb levava uma pequena pilha de livros de matemática. Fiz como vc, apresentação, chamada longa,.. rsrs Os alunos viviam momentos q precisavam mais q alguém os ouvissem do que de matemática. Devia ser 1993.

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