PELE-Skin

Olho,  toco, cheiro minha pele…Não a reconheço mais.

Os poros parecem gritar imperiosos e lúcidos… Os pelos insubordinados crescem insistentes nos lugares mais impróprios. O que querem de mim? Aceitação ou perdão?

O desgaste é lento, misterioso e inquieto, porque não me dá sinais de um breve fim ou um momento de trégua,  para que possa me recuperar das imperfeições que surgem em formatos de vincos, manchas e flacidez.

Camadas de pele em detritos que se ajeitam como podem,  uma sobre a outra, dia após dia… Cada revestimento descreve as urgências de muitas histórias. Sinto no ar,  que unidas pretendem me destruir com a mesma ira de exército rival,  que parte eufórico para o embate. Querem revelar quantos anos tenho? Querem denunciar em público tudo que vivi?

Então contem! Delatem minhas mágoas, indiferenças e desafetos… Berrem minhas paixões, devaneios e embevecimentos, porque nem só de sombras e infelicidades tenho sido até agora.

A camada da minha infância revela tudo que pretendi ser em meio as cobiças de criança que foram realizados ou ficaram esperando soluções.

A camada púbere carrega precipitações defensivas,  imprudências e receios em conserva.

A camada do  meu adolescer foram bordadas de  acnes apimentadas, salivações e  duelos marcados com suspeitos inimigos.

A camada adulta teve fases rasgadas por lamúrias e indecisões preguiçosas… Suspiros de pecados permitidos,  vibrações, concretudes, decepções infinitas e  barras chocolates para o meu  viciado consolo.

Com o passar dos anos, como uma parede refeita e pintada por várias vezes, as camadas caem aos poucos, como cascas de um couro ressecado, revelando uma carne frágil, um suor arrependido e uma olência indefinida.

Inesperadamente entre os cabelos impregnados de tingiduras e unhas com frisos profundos e perfeitamente alinhavados,  surgem luzes que atravessam meus poros. Miro enternecida o que sobrou de mim:

Resta-me juventude, alguns sonhos revalidados e outros retificados. Falas mais precisas  e menos conclusivas. Os medos estão mais evidentes, palpáveis… Dentro deles cabe o desejo de jamais sair a frente de todos, por saber, que não ser a primeira não me desmerecerá em nada.

Resta-me vontade de reaprender com os leões, porque os humanos pouco podem me ofertar além de uma  inteligência álgida e sem alma.

Resta-me  ainda temperos de concórdia a calmaria,  desejando envelhecer intensamente… juntando pele e sabedoria.

 

Guardarei esse texto dentro de mim,  para ter a certeza que ainda o terei, caso um dia precise e não saiba mais ler ou escrever com tamanha coragem, as mesmas palavras.


29 comentários sobre “PELE-Skin

  1. “Resta-me vontade de reaprender com os leões, porque os humanos pouco podem me ofertar além de uma inteligência álgida e sem alma.”

    verdades ditas! que belo texto, Ana! tbm sinto minha pele mudando a cada dia, assim como eu mesma mudo – mas ainda assim repito padrões cegamente, como vícios…

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